A parábola do techbro pródigo

Éramos suficientemente semelhantes para nos entendermos facilmente, e suficientemente diferentes para nos surpreendermos.
Daniel Kahneman, falando de seu relacionamento com Amos Tversky

Eu não gosto de Tristan Harris. Pronto, falei. Só que eu não sabia explicar o motivo. Algumas vezes vi que ele entrevistou pessoas que eu admiro em seu podcast e lá fui eu escutar virando os olhinhos sempre que ele opinava. Implicância exagerada, será? E olha que eu me orgulho de ser uma pessoa que gosta de todo mundo — minha terapeuta que lute.

Parte do ranço deve vir do envolvimento dele no documentário O Dilema das Redes, aquele que “abriu os olhos” das pessoas para os perigos das redes sociais. Mas, ao mesmo tempo, passa o tempo todo colocando a responsabilidade em todo mundo, menos em quem está assistindo. “Cuidado: as pessoas acreditam em tudo que veem na internet”. Você não. Você é espertão. Fora que no meio metem o famoso “se o produto é grátis, você é o produto”. Aí não dá.

Harris, se você não sabe, é um ex-funcionário do Google que fundou o Center for Humane Technology, uma organização sem fins lucrativos que busca “realinhar a tecnologia com os interesses humanos”. Lá atua como um crítico vocal das práticas da indústria tecnológica, enfocando especificamente em como as plataformas digitais podem manipular a atenção e o comportamento dos usuários. Até aí tudo bem! Eu é que não conseguia… explicar meu incômodo. (pode ser simplesmente pelo fato de eu ser uma péssima pessoa, lambedor de botas de big techs)

Até que caí em uma entrevista de 2020 do meu ídolo Cory Doctorow para o Guardian, que mais uma vez veio me salvar. A conversa aconteceu para falar do romance que Doctorow estava lançando na época, Attack Surface , sobre um mundo onde a vigilância governamental e corporativa é onipresente, explorando as complexidades éticas e os dilemas morais enfrentados por uma profissional de segurança cibernética que começa a questionar seu papel nesse sistema. O título da entrevista foi o que me pegou. “Tecnólogos não deram ouvidos a quem não é da área de tecnologia.”

Como (ex?) tecnólogo, critico há algum tempo o sistema vigente onde engenheiros e analistas de negócios resumem todos os problemas do mundo a planilhas e linhas de código. O pensamento de que o mundo é um algoritmo a ser desvendado e que humanos só atrapalham tudo com sua… humanidade. O título da matéria vem de um pedaço da conversa:

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