A esmerdelhação de tudo

Existem muitas maneiras de ficar triste, mas só há uma maneira de se sentir bem, que é parar de correr atrás da felicidade.
— Edith Wharton

Quando fiz faculdade de informática (a profissão do futuro!), nos últimos dois semestres do curso precisei escolher qual caminho seguir: software básico ou aplicativos. Era o meio dos anos 1990 e “app” significava outra coisa. Na versão do século passado, significava fazer programas que iam rodar em grandes ou pequenas corporações para controlar fluxo de caixa, relacionamento com clientes ou até mesmo o processamento de multas das estradas (um projeto real que acabei participando anos depois). “Aplicativos” era o caminho que a maioria dos alunos seguia porque afinal de contas o curso da PUC-Rio era “voltado ao mercado de trabalho”. Eu mesmo optei por esta trilha, mas com algumas semanas acabei mudando, acho que porque não gostei do orientador. Já o software básico era para fazer coisas… básicas, no sentido muitas vezes de ser a base onde os tais dos aplicativos vão rodar em cima, como o Windows ou o iOS. Mas naquela época também significava coisas como o Photoshop ou até jogos — que foi o que acabei fazendo, um jogo de aventura em texto.

Lembrei dessa história quando vi a notícia de que vazou que o Google paga US$ 19 bilhões por ano à Apple para que seu buscador seja a opção padrão em iPhones e no Safari. A cifra bilionária (se a gente for pensar… para que a Apple não faça nada) mostra o quanto este é um mercado valioso. 72% do faturamento total da Alphabet acontece na caixa de busca, o que significa que a empresa dá um pouco mais de 10% deste valor para a Apple, a dona de mais da metade do mercado de mobáil nos EUA, o mais lucrativo do planeta.

O problema é que não é só a Apple que recebe esse pixzinho. A Mozilla, mantenedora do navegador Firefox (do qual sou usuário) recebe entre 400 e 450 milhões de dólares por ano para fazer a mesma coisa. Sem esse tipo de dinheiro — venha ele do Google, do Bing ou do Yahoo! — a Mozilla não teria como seguir mantendo o navegador, já que ao contrário dos seus concorrentes, ela não monetiza o produto diretamente.

Monopólio nunca é bom. O Google fatura mais, por isso gasta mais dinheiro em pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura. O produto final para o consumidor fica melhor do que a concorrência. Quem já tentou usar o Bing sabe do que estou falando.

Até que vem ela. A esmerdelhação — em inglês enshittification — expressão cunhada pelo meu ídolo Cory Doctorow, mas que pelo menos lá na Ilha do Governador existe já tem tempo em português. Esmerdalhar é o destino de toda grande plataforma, nem precisa ser digital. Uma vez destruída a concorrência, podemos mudar o acordo, piorando o serviço para quem usa na ponta, mas também para quem tem a plataforma como parte do seu negócio. É o que fez a Amazon, o TikTok (segundo o artigo do Doctorow), Uber, AirBnB, iFood e até o famigerado Oxxo.

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